segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Song of Childhood - Peter Handke

"Canção da Infância

Quando a criança era criança,
Caminhava balançando os braços,
Queria que o córrego fosse rio,
Que o rio fosse torrente
E que esta poça de lama fosse oceano

Quando a criança era criança,
Não sabia que era criança,
Tudo era cheio de alma,
E todas as almas eram uma.

Quando a criança era criança,
Não tinha opinião sobre nada,
Não tinha hábitos,
As vezes sentava de pernas cruzadas,
Saia correndo,
Usava um topete no cabelo,
E não mudava a expressão para ser fotografada.

Quando a criança era criança,
Era o tempo destas questões:
Por que sou eu, e não você?
Por que estou aqui, e não lá?
Quando o tempo começou, quando o espaço acaba?
Não é a vida sob o Sol apenas um sonho?
Não é tudo que vejo ou cheiro
Só uma ilusão do mundo antes do mundo?
Dados os fatos de maldade e das pessoas,
Será que o mal realmente existe?
Como pode ser que eu, quem eu sou,
Não existia antes de eu vir a existir,
E que, algum dia, eu, quem eu sou,
Não mais serei quem sou?

Quando a criança era criança
Engasgou em espinafre, em ervilhas, em pudim de arroz,
E em couve-flor cozida,
E come tudo isso agora, e não só porque tem de comer.

Quando a criança era criança,
Uma vez acordou em uma cama estranha,
E agora o faz de novo e de novo.
Muitas pessoas, então, pareciam belas,
E agora só algumas, por pura sorte.

Havia visualizado uma clara imagem do paraíso,
E agora pode no máximo chutas,
Não podia conceber o nada
E agora tem calafrios com a ideia.

Quando a criança era criança,
Brincava com entusiasmo,
E, agora, ainda se anima tanto quanto antes,
Mas só quando é sobre trabalho.

Quando a criança era criança,
Era o suficiente comer uma maçã, ...pão,
E agora ainda é assim.

Quando a criança era criança
Cerejas enchiam suas mãos como só cerejas o fazem,
E ainda enchem,
Nozes frescas torciam sua lingua
Como ainda torcem,
Havia, em cada topo de montanha,
A ânsia de uma montanha ainda mais alta,
E em toda cidade,
A ânsia de uma cidade ainda maior,
E ainda é assim,
Buscava cerejas nos galhos mais altos das árvores
Com a magnitude que ainda possui,
Sentia-se tímida na frente de estranhos
E ainda sente-se assim.
Esperava pela primeira neve,
E ainda espera por este dia.

Quando a criança era criança,
Lançou um galho contra uma árvore
E até ainda hoje, permanece infincado."
- Peter Handke

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Talking in bed - Philip Larkin

Conversando na cama

Conversar na cama deveria ser facílimo,
Ficar deitados juntos ali, remonta tão antes
Um emblema de duas pessoas sendo honestas.
Porém mais e mais tempo se passa em silêncio.
Lá fora, o agito incompleto do vento
Constrói e dispersa nuvens no céu,
E uma negra cidade se amontoa no horizonte.
Nada disso se importa conosco. Nada mostra porque
Nesta distância única do isolamento
Se torna ainda mais difícil encontrar
Palavras ao mesmo tempo verdadeiras e gentis
Ou não falsas e não grosseiras.


---

Original:

"Talking in bed

Talking in bed ought to be easiest,

Lying together there goes back so far,
An emblem of two people being honest.
Yet more and more time passes silently.
Outside, the wind's incomplete unrest
Builds and disperses clouds in the sky,
And dark towns heap up on the horizon.
None of this cares for us. Nothing shows why
At this unique distance from isolation
It becomes still more difficult to find
Words at once true and kind,
Or not untrue and not unkind."
1964, Philip Larkin

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Event - Sylvia Plath

Evento

Como os elementos solidificam! ---
A luz da lua, aquele morro de giz
Em cujo vão nos deitamos

Costas contra costas. Ouço uma coruja chorar
De seu frio índigo.
Intoleráveis vogais adentram meu coração.

A criança no berço branco se vira e suspira,
Abre sua boca agora, exigente.
Sua pequena face é talhada em madeira vermelha, magoada

Então há as estrelas - inerradicáveis, duras.
Um toque : queimam e adoecem.
Não posso ver seus olhos.

Onde flores de maçã gelam a noite
Caminho em um anel,
Uma cova de velhas falhas, profunda e amarga

O amor não pode vir aqui.
Um vão negro se descobre.
No lábio opositor

Uma pequena alma branca ondula, um pequeno verme branco.
Meus membros, também, me deixaram.
Quem nos desmembrou?

O escuro está derretendo. Nos tocamos como aleijados

----

Original:

"Event

How the elements solidify! ---
The moonlight, that chalk cliff
In whose rift we lie

Back to back. I here an owl cry
From its cold indigo.
Intolerable vowels enter my heart.

The child in the white crib revolves and sighs,
Opens its mouth now, demanding.
His little face is carved in pained, red wood.

Then there are the stars - ineradicable, hard.
One touch : it burns and sickens.
I cannot see your eyes.

Where apple bloom ices the night
I walk in a ring,
A groove of old faults, deep and bitter.

Love cannot come here.
A black gap discloses itself.
On the opposite lip

A small white soul is waving, a small white maggot.
My limbs, also, have left me.
Who has dismembered us?

The dark is melting. We touch like cripples."
- 1962, Sylvia Plath

Intuito do blog e pedido de desculpas

O único objetivo que tenho nisso aqui é: Traduzir alguns textos que não consigo achar na internet em português.
Vou traduzir material aleatório, talvez algum curta metragem, algo assim, não sei ainda.
Contos, poesias, posso me arriscar.
Não, não sou excelente em inglês (nem em português).
Não é meu objetivo que estejam perfeitos, mas o melhor possível.
E quem sabe eu não passe algo que só existe em português para o inglês eventualmente?

É isso ai!

Não sou dono de nada do material que irei usar e peço desculpas se ofender alguém pelo uso de tal material ou por deturpar a ideia de algo, mesmo que não seja a intenção.
Abraços!